Mercearia do Diplomata
Durante um fim-de-semana dedicado aos locais abandonados, encontrei esta pequena casa, com mercearia no rés-de-chão e casa habitacional, no primeiro andar. O local, antes de ser abandonado, foi relativamente limpo e foram retirados a maior parte dos pertences e mobiliário.
Visitei este local por duas vezes, a primeira vez tirei 2 ou 3 fotografias apenas e, na esperança de encontrar um local melhor nesse mesmo dia, acabei por sair apressadamente do sítio. Mais tarde, já em casa, fiquei a pensar que este local poderia dar mais fotografias e como existiam bastantes papéis numa secretária, talvez existisse alguma história para contar também.
Acabei por voltar, semanas mais tarde e fotografar corretamente o local. Lendo os papéis e cartas, fiquei a saber que esta mercearia pertenceu a um casal que diariamente abria e vendia os seus produtos às restantes pessoas da aldeia. A mercearia funcionou até meados dos anos 80 e curiosamente, o dono, para além de ser dono da mercearia, também era o coveiro da aldeia e prestava serviços ao cemitério, relacionados com jazigos e sepulturas perpétuas. Encontrei um livro onde estavam todas as indicações, datas e serviços funerários. Foi um pouco estranho, encontrar isto numa mercearia abandonada, mas lá estava.
Numa carta, existiam referencias a dividas que certas pessoas tinham na mercearia. Aparentemente, a mercearia tinha um sistema que permitia que grande parte da freguesia levasse as coisas sem pagar no momento, a despesa feita na mercearia era apontada num caderno e rasurada no final do mês (o tradicional comprar fiado). Infelizmente para a mercearia, esse tipo de venda aparentemente estava a causar problemas. Na mesma carta, a Sra. Maria (dona do estabelecimento) indica que se o valor do Sr. Antunes (um cliente), não for pago até ao final do mês, que irá falar com o sogro do senhor, a ver se “lhe põe algum juízo na cabeça” e que caso isso não resulte, que irá colocar um papel à porta.
Fez-me lembrar uma notícia que vi há uns anos, sobre um comerciante do Fundão que resolveu denunciar os clientes caloteiros da sua loja, afixando as dívidas mais antigas numa das montras. Afinal, esta técnica já é bem antiga, visto que estamos a falar de uma carta datada de 1973. E agora fica a dúvida… será que o senhor pagou ou viu o seu nome exposto na porta do estabelecimento? Infelizmente, não conseguimos saber o final da história, mas dá que pensar como seriam essas situações antigamente e como era comprar e vender fiado.
Para além das cartas, existiam livros relacionados com a monarquia portuguesa, inclusive um quadro de D. Carlos, com uma imagem retirada de um livro ou revista, penso eu. D. Carlos foi o Rei de Portugal e Algarves de 1889 até ao seu assassinato em 1908 e ficou conhecido como “O Diplomata“, porque apesar da grave crise que Carlos enfrentou no início do seu reinado, face à Inglaterra, então a maior potência mundial, o rei soube inverter a situação e graças ao seu notável talento diplomático, conseguiu colocar Portugal no centro da diplomacia europeia, na primeira década do século XX.
E foi por isso que escolhi o nome “Mercearia do Diplomata”, para atribuir a este local. É sempre necessário atribuir um nome a cada local e por vezes, por desconhecimento do nome verdadeiro ou por impossibilidade de atribuir o nome real por revelar os locais, tenho de escolher um nome mais criativo. Neste local em específico, é o quadro do rei que atribui carisma ao local, por isso foi uma escolha simples.
Ontem descobri o seu blog e fiquei fascinada.Parabéns!
Ao ver as fotos da Mercearia do Diplomata ,achei giríssimo ver na 6 fotografia os impressos da ATIVE, Lda empresa que prestava apoio ao comércio e indústria de bens alimentares por todo o país , fundada por um dos meus bisavós .
Obrigada pela partilha
Maria João